Rei do Céu e da Terra
Data: 11.5.2023Por Dr. Jürgen Bühler, Presidente da ICEJ
Traduzido por Julia La Ferrera
“Reina o Senhor . Regozije-se a terra[…]”!
Esta declaração abre o Salmo 97 – um dos Salmos de entronização. Para o povo do antigo Israel, nunca houve dúvida de que seu Deus era o Rei de toda a terra. Mais do que qualquer outro livro da Bíblia, os Salmos destacam o governo real de Deus.
Os salmistas viram duas facetas principais de Seu governo. Primeiro, o Salmo 11:4 afirma: “[…] nos céus tem o Senhor Seu trono […]” (ver também Salmos 103:19; 123:1). É por isso que no Evangelho de Mateus, o Reino de Deus também é referido como o Reino dos céus. No entendimento rabínico, o céu é muitas vezes sinônimo do próprio Deus. Embora seja de fato um conceito paralelo ao “Reino de Deus” conforme usado nos outros Evangelhos, ele transmite um aspecto importante do Reino de Deus que foi expressado de forma poderosa por Daniel: “O céu domina!” (4:26).
Ao mesmo tempo, este Reino celestial se expressa na terra. A maioria das referências ao “reino” nos Salmos e em outros lugares descreve a extensão terrena e o impacto do Reino de Deus. O Senhor é “o Rei de toda a terra”, proclamou o Salmista, e Ele “reina sobre as nações” (Salmo 47:6-8). Ele também é o “Rei dos reis”, significando o poder governante supremo que nomeia e destrona os governantes deste mundo (Daniel 2:21; 1 Timóteo 6:15; Apocalipse 17:14). Então Ele é o “grande Rei acima de todos os deuses”, definindo-O como o poder supremo sobre todos os sistemas religiosos do mundo (Salmo 95:3). Seu governo é uma mera consequência de Deus ser o Criador e Possuidor do céu e da terra. “Do Senhor é a terra e toda a sua plenitude”, declarou o rei Davi (Salmo 24:1). Deus como Rei é, portanto, o governante onisciente, onipotente e onipresente do mundo.
O que intriga as pessoas, no entanto, é a velha questão “Onde está Deus?” É um mistério tão antigo quanto a humanidade que o Reino de Deus tantas vezes não pode ser claramente visto em meio a um trauma global ou pessoal. Se Deus realmente governa, por que os ímpios prosperam e os justos sofrem? (Salmo 73:3; Jeremias 12:1; 1 Pedro 3:14)
O governo de Deus certamente se mostra de maneiras muitas vezes sutis e pacientes. Como minha falecida avó gostava de dizer: “Os moinhos de Deus estão moendo devagar”. O próprio Jesus declarou que seu Reino muitas vezes não pode ser visto. “Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós.” (Lucas 17:20-21)
No entanto, ao mesmo tempo, Seu Reino frequentemente se manifesta de maneiras poderosas que são visíveis a todos. Moisés o viu manifestado quando confrontou Faraó no Egito; Daniel viu o governo do Céu em ação mesmo na Babilônia pagã; e vemos isso hoje em ação no restabelecimento da nação de Israel.
A primeira revelação sobre a natureza do Reino de Deus pode ser vista na história do encontro de Abraão com Melquisedeque. Aqui, temos a aparição deste misterioso rei-sacerdote a Abraão, que era conhecido como o Rei de Salém (mais tarde Jerusalém) e Sacerdote do Deus Altíssimo. Essa combinação de sacerdote e rei, de governo terreno executado sob a autoridade de Deus, sempre foi uma marca registrada do Reino de Deus. Quando Deus tirou Israel do Egito, Ele deu este mesmo chamado ao povo judeu: “vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (Êxodo 19:6). Mas como esse governo do céu se manifestou? É descrito de forma surpreendente em Deuteronômio 33:2-5:
“O Senhor veio de Sinai, e lhes subiu de Seir; resplandeceu desde o monte Parã, e veio com dez milhares de santos; à sua direita havia para eles o fogo da lei. Na verdade ama os povos; todos os seus santos estão na sua mão; postos serão no meio, entre os teus pés, e cada um receberá das tuas palavras. Moisés nos deu a lei, como herança da congregação de Jacó. E foi rei em Jesurum, quando se congregaram os cabeças do povo com as tribos de Israel.”
Há uma sequência notável de eventos que terminam com “e foi rei em Jesurum”. Quando o Senhor desceu no Monte Sinai em fogo, foi como uma visitação celestial. O povo sentou-se ao pé da montanha e ouviu enquanto Deus falava. O Senhor falou com eles com voz audível, mas também por meio de Seu servo Moisés. Eles estavam sentados à Sua mão e aos Seus pés, receberam orientação de Deus e seguiram os passos do Senhor.
Deus falando e dirigindo Seu povo está bem no coração do Reino de Deus. Seu Reino se manifestou quando Israel ouviu e seguiu as instruções de Deus como corporação e como indivíduos. Jesus explicou a importância dessa intimidade pessoal com Deus para Marta, que estava muito ocupada focando apenas em servir seu mestre. Mas Maria sentou-se aos pés de Jesus ouvindo suas palavras, e assim ela escolheu a melhor parte. O Reino de Deus se manifesta através de um povo de Deus que escuta e está pronto para agir de acordo com as palavras recebidas dEle.
Deus nunca pretendeu que Israel tivesse um rei terreno. No livro de Samuel, lemos sobre a grande catástrofe quando Israel quis ser como as nações ao seu redor. Israel achou muito pesado lidar com um Deus invisível como Rei, que falava a Seu povo apenas por meio de profetas e juízes. Eles queriam um rei que fosse um deles, que desse liderança diária às tarefas que tinham em mãos, sem precisar esperar e confiar em Deus. Mas Sua resposta foi forte.
“Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao Senhor. E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles.” (1 Samuel 8:6-7)
É um traço de caráter dos seres humanos que muitas vezes buscamos segurança e força na liderança humana. Isso não é verdade apenas no nível político, mas também nas igrejas. Há uma sensação de segurança que vem de líderes fortes, que permitem ao homem passar a responsabilidade para outros homens. É mais fácil se esconder atrás de uma grande multidão do que assumir a responsabilidade e ser transparente em uma igreja menor. O Reino de Deus significa todos sentados aos pés de Jesus, ouvindo sua voz e agindo de acordo com o que ouvem.
Saul tornou-se o primeiro rei de Israel. Ele estava ocupado seguindo sua própria agenda e lutou para esperar em Deus. Ele seguiu as instruções de Deus apenas pela metade e estava ocupado construindo memoriais para si mesmo. Não era mais Deus quem governava, mas um homem imperfeito.
Muitas vezes me pergunto qual foi a qualidade que fez de Davi “um homem segundo o coração de Deus” (1 Samuel 13:14). As palavras hebraicas originais aqui (ish kelevavo) sugerem que Deus está procurando um homem cujo coração seja como o Seu coração. O apóstolo Paulo relata esta história em seu sermão em Antioquia. “[…] [Deus] levantou-lhes como rei a Davi, ao qual também deu testemunho, e disse: Achei a Davi, filho de Jessé, homem conforme o meu coração, que executará toda a minha vontade.” (Atos 13:22).
Davi era um homem que possuía uma atitude que refletia de muitas maneiras o coração de Deus e, o mais importante, ele lideraria Israel não segundo sua própria agenda, mas estava pronto para fazer a vontade de Deus.
Seu governo refletia a realidade da oração que o Senhor nos deu: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”. (Mateus 6:10) Quando Davi se tornou rei, o Reino de Deus voltou para Israel. Deus governou mais uma vez sobre Seu povo por meio de Davi.
Em uma visita muito recente a Fiji, fizemos uma visita ao presidente desta adorável nação insular, o Sr. Ratu Wiliame Maivalili Katonivere. Enquanto estava em seu escritório, ele fez uma declaração profunda: “Todos os dias, oro para que esta sala seja o escabelo de Deus para o bem das pessoas”. Fiquei muito emocionado ao ouvir um líder nacional moderno seguindo o exemplo do rei Davi, desejando dirigir seus passos e os de sua nação de acordo com a vontade de Deus.
Em breve, celebraremos a festa de Pentecostes. Segundo a tradição judaica, este festival comemora os dias em que os israelitas chegaram ao Monte Sinai, e Deus desceu em fogo na montanha e deu Seus mandamentos a Israel. Vimos que este foi o dia em que “Deus se tornou rei em Jesurum” (Deuteronômio 33:5). Israel estava sentado à Sua mão e Deus estava dirigindo seus caminhos.
No dia de Pentecostes em Atos 2, lemos que algo semelhante aconteceu. No Cenáculo, Deus não desceu sobre uma montanha de pedra, mas línguas de fogo pousaram sobre cada um dos 120 cistãos e Deus deu a cada um deles expressão para falar e louvá-lo em outras línguas. Foi o próprio Deus que, por meio de Seu Espírito, pousou sobre eles e encheu cada um. O milagre que começou naquele dia foi que Deus estava escrevendo Seus mandamentos no coração do povo de Deus, transformando-os em pessoas “segundo o coração de Deus”, pessoas cujo coração é como o Seu.
O profeta Jeremias profetizou sobre este dia em Jeremias 31. É a primeira vez que Deus fala em fazer uma nova aliança (b’rit hadasha) com o povo de Israel:
“Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei uma aliança nova com a casa de Israel e com a casa de Judá.
Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porque eles invalidaram a minha aliança apesar de eu os haver desposado, diz o Senhor.
Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.
E não ensinará mais cada um a seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conhecei ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor; porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados.” (Jeremias 31:31-34; ver também Ezequiel 36:24).
O próprio Deus escreverá Suas leis em seus corações; isto é, Ele transformará seus corações em corações que desejam fazer a vontade de Deus, em um povo como o rei Davi. E o resultado, uma vez que cada cristão terá sua própria chama, será um Monte Sinai pessoal para todos, para receber as leis em seus corações. Não haverá necessidade de imposição de liderança, mas cada um individualmente conhecerá a Deus “desde o menor até o maior” (Jeremias 31:34).
De muitas maneiras, a concessão do Espírito Santo ao povo de Deus – tanto judeus quanto gentios que experimentam esse poder transformador divino – seria como nascer de novo. É uma troca de corações de pedra por corações de carne, moldados e usados por Deus.
Isso significa que quando as pessoas são transformadas pelo Espírito de Deus e ficam sob o governo de Seu Espírito, elas trazem consigo o Reino de Deus para qualquer situação. E a regra do Céu pode se manifestar aqui na terra já agora. É Cristo em nós, a esperança da glória! Esta promessa foi dada repetidamente a Israel, e é de fato “a próxima grande coisa” a ser esperada em Israel. Paulo diz que isso será até mesmo uma liberação do poder da ressurreição de Deus na terra.
E, claro, chegará o dia em que o Senhor Jesus, o próprio Rei dos reis, virá julgando as nações com justiça: “Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra.” (Jeremias 23:5).
Até aquele dia, somos chamados a viver como povo do Reino de Deus, trazendo a presença do Seu Reino ao mundo ao nosso redor. Que Deus nos ajude nesta grande empreitada.
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