Released hostages return to Israel in January 2025 as part of the hostage deal. (Credit: IDF)

O dilema do acordo de reféns de Israel
Por Dr Mojmir Kallus, Vice-Presidente para Assuntos Internacionais da ICEJ
Traduzido por Julia La Ferrera

Liberar ou não liberar? Essa é a pergunta que todo Israel está fazendo atualmente. Ela diz respeito ao preço que Israel deve pagar pelo acordo de reféns, ou seja, liberar centenas de terroristas palestinos com sangue nas mãos, que interpretariam isso como sua vitória, prontos para continuar sua sangrenta matança.

Muitos argumentos a favor e contra o acordo foram levantados. Acontece que eles ecoam um debate que vem acontecendo dentro das comunidades judaicas há séculos. O mandamento de redimir cativos tem sido amplamente discutido na literatura haláchica, o que infelizmente reflete a prevalência de sequestro e cativeiro ao longo da longa história do povo judeu.

A posição primária foi articulada por Maimônides, o estudioso sefardita do século XII, que disse: “Não há mandamento maior do que redimir cativos.” Ele continua dizendo: “Redimir cativos (pidyon shvuyim) tem precedência sobre alimentar os pobres e vesti-los, uma vez que os cativos estão incluídos entre os famintos, sedentos e nus, em perigo de perder suas vidas. E aquele que desvia os olhos de redimi-los transgride os mandamentos ‘não endureça o seu coração nem feche a sua mão’ (Deuteronômio 15:7) e ‘não fique de braços cruzados diante do sangue do seu próximo’ (Levítico 19:16) … e anula o mandamento ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’ (Levítico 19:18) e muitos preceitos semelhantes.”

Pareceria do exposto acima que pidyon shvuyim é um mandamento absoluto, que deve ser seguido em todos os momentos. Mas há uma exceção importante, conforme explicado na Mishná (Gittin 4:6):

“Não se resgata prisioneiros por mais do que seu valor por causa do Tikkun Olam (para a boa ordem do mundo; como precaução para o bem geral).” Uma das razões para essa decisão é que, de outra forma, os sequestradores seriam encorajados a continuar sequestrando pessoas porque isso compensa.

O debate na tradição judaica gira em torno de tentativas de equilibrar esses dois princípios contraditórios. Quando alguém paga mais do que o valor justo? Há muitas histórias no Talmude que ilustram o caso. Parece que o resgate era frequentemente pago em um valor maior do que o razoável. Por outro lado, há histórias que mostram que o oposto também se aplicava. Por exemplo, o rabino Meir de Rothenburg, nascido em 1220 em Worms, Alemanha, que se tornou um líder conhecido e respeitado, foi sequestrado quando tentou viajar para a Terra Santa. A comunidade judaica queria pagar um resgate alto, pois ele era considerado um líder importante, mas ele recusou por causa da quantia alta. Ele morreu na prisão e, apenas 14 anos após sua morte, um judeu rico pagou uma quantia exorbitante pela devolução de seu corpo. Ambos agora estão descansando um ao lado do outro no cemitério de Worms.

Podemos encontrar muitas histórias ilustrando ambos os lados desse dilema. Como de costume, a tradição judaica não fornece uma resposta autoritativa. Ela apenas mostra os prós e os contras, e cada um tem que chegar à sua própria conclusão.

Vale ressaltar que todas essas citações da halachá judaica vêm da época do exílio, quando os judeus viviam como minoria em terras estrangeiras, frequentemente sujeitos a assédio, perseguição e sequestro.

Na Bíblia, histórias que descrevem o resgate de reféns pintam um quadro diferente. Em Gênesis 14, Abrão partiu para resgatar Ló depois que ele foi feito refém na guerra dos reis. Ele perseguiu os sequestradores e “trouxe de novo todos os bens, e também a Ló, seu sobrinho, os bens dele, e ainda as mulheres, e o povo.” (Gênesis 14:16).

Outra operação de resgate bem-sucedida é descrita em 1 Samuel 30, quando os amalequitas invadiram o Sul e queimaram a cidade de Ziclague e levaram cativas todas as mulheres e aqueles que estavam lá, do pequeno ao grande. Quando Davi retornou, ele estava muito angustiado. Mas ele se fortaleceu no Senhor (v. 6). Então eles partiram em uma missão de resgate e com a ajuda de um escravo egípcio que havia sido abandonado pelos amalequitas, eles receberam informações e foram resgatar todos os reféns, incluindo as esposas de Davi.

Esses dois casos representam vitórias militares claras, onde os inimigos foram totalmente derrotados. Então, temos a grande história de resgate do Êxodo do Egito, uma demonstração da libertação milagrosa de uma nação inteira da escravidão, pelo próprio Deus, acompanhada por uma vitória militar impressionante.

Na história moderna de Israel, houve várias operações de resgate bem-sucedidas, a mais famosa sendo o ousado ataque em Entebbe, Uganda, em julho de 1976. Aqui, comandos israelenses liderados por Jonathan Netanyahu, a única vítima, surpreenderam o inimigo e resgataram 102 reféns (três foram mortos) em um aeroporto a milhares de quilômetros de seu solo.

À luz dessas histórias, é evidente que o acordo atual não é o caso de uma vitória militar completa. Como Israel teve que negociar com os assassinos, ele se assemelha às histórias da época do exílio, onde os judeus foram dispersos e tiveram que pagar pela libertação de reféns. Um pensamento preocupante, que torna a questão sob quais condições a libertação é justificada ainda mais relevante.

Released hostages return to Israel in January 2025 as part of the hostage deal. (Credit: IDF)
Os reféns libertados retornam a Israel em janeiro de 2025 como parte do acordo de reféns. (Crédito: Porta-voz da IDF)

As opiniões sobre o acordo atual vão em ambas as direções. Um argumento é que a libertação de terroristas claramente representa um perigo para a comunidade, e as limitações ao preço pago visam evitar isso. E é verdade. Essas centenas de assassinos são encorajados e tentarão continuar sua visão assassina.

Por outro lado, os eventos de 7 de outubro são únicos e desproporcionais. Discussões sobre a redenção de reféns na tradição judaica geralmente lidam com o sequestro de uma ou algumas pessoas. Em 7 de outubro, centenas foram sequestradas. Portanto, não se trata de pesar o interesse de um indivíduo versus o da comunidade. Ambos os cursos de ação afetam a comunidade, de modo que um interesse legítimo da comunidade é colocado contra outro interesse legítimo da comunidade.

Outro argumento diz que o fato de os reféns estarem em perigo de vida é uma certeza: no fim das contas, eles morreriam em cativeiro, enquanto a possibilidade de futuros atos terroristas é apenas isso – uma possibilidade, que pode ser mitigada por medidas preventivas, vigilância e segurança intensificadas. Portanto, fala a favor do acordo.

De uma perspectiva cristã, uma frase de Maimônides soa familiar: “O cativo está incluído entre os famintos, sedentos e nus, em perigo de perder a vida.” Isso nos lembra das palavras que Jesus diz em Mateus 25:

Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me […]
sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

Jesus considera cada refém como se fosse irmão e irmã, e aqueles que lutam pela libertação deles como se o fizessem por Ele.

Oremos pela sociedade israelense enquanto ela lida com esse dilema triste e humilhante. E continuemos a dar esperança, sabendo que chegará o dia em que aquEle que foi enviado para “curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados” (Isaías 61:1). Que Ele venha rapidamente, em nossos dias.

Foto principal: Reféns libertados retornam a Israel em janeiro de 2025 como parte do acordo de reféns. (Crédito: Porta-voz da IDF)