A Igreja Messiânica – Um sinal dos nossos tempos
Data: 28.6.2022Por Dr. Jürgen Bühler, Presidente da ICEJ
Traduzido por Ester Hansen
“Vocês, cristãos, eram sionistas antes que nós, judeus, o fôssemos. É importante reconhecer isso.”
Essas foram as palavras do ex-Primeiro Ministro de Israel Benjamin Netanyahu quando se dirigiu aos delegados da reunião do Café da Manhã de Oração por Jerusalém no Knesset, em junho
Realmente, foram principalmente os protestantes e os teólogos e ministros evangélicos que se levantaram após a Reforma e pela primeira vez defenderam publicamente a restauração nacional de Israel. Fossem os puritanos, os moravianos, os metodistas, os pietistas ou os movimentos emergentes dos pentecostais e reformadores, todos acreditavam em um destino futuro com o povo de Israel de volta à sua antiga terra natal. Pela primeira vez em séculos, a Reforma permitiu que até mesmo os cristãos comuns tivessem acesso às Escrituras em suas línguas usuais e, assim, verdades bíblicas fundamentais foram redescobertas – incluindo o prometido ajuntamento dos judeus em sua terra ancestral.
O advento de um movimento de “Raízes Judaicas”
Com o aumento da disponibilidade da Palavra de Deus, cresceu uma conscientização – especialmente na Europa e na América do Norte – do papel central e permanente de Israel na história da redenção. Paralelamente, houve um maior despertamento para as raízes judaicas na fé cristã. Pesquisas sobre o Antigo Testamento e o Talmude começaram a florescer em muitos institutos teológicos na Europa.
No Reino Unido, os trabalhos de John Gill (1697-1771) e do Bispo J.B. Lightfoot (1828-1889) tiveram um grande impacto, à medida que seus comentários incluíam muitas perspectivas rabínicas e foram amplamente lidos pelos cristãos.
Nos séculos XVIII e XIX, vários “Institutum Judaicum” foram estabelecidos em universidades alemãs, sendo o mais proeminente em Leipzig, por Franz Delitzsch (1813-1890), cujo comentário sobre o Antigo Testamento é amplamente lido até hoje. Delitzsch também foi conhecido por sua primeira tradução do Novo Testamento para o hebraico, notavelmente décadas antes do reavivamento da língua hebraica por Eliezer Ben Yehuda.
O professor de Oxford, Alfred Edersheim, também contribuiu grandemente para a crescente compreensão, na época, das raízes hebraicas do cristianismo. Edersheim foi o filho de uma família rabínica e recebeu treinamento no Talmude antes de se tornar um judeu convertido. Sua obra seminal “A vida e os tempos de Jesus, o Messias” expandiu o despertamento cristão para o caráter judaico de Jesus e dos Evangelhos.
Um novo fenômeno
Foi essa compreensão recém-encontrada do caráter judaico de Jesus e da Igreja Primitiva que levou ao despertar de outro fenômeno nos círculos cristãos. Muitos judeus começaram a crer que Yeshua (Jesus) era seu Messias esperado, ao mesmo tempo em que mantinham as tradições judaicas. Durante séculos, os judeus que chegavam à fé em Jesus, embora em pequeno número, eram normalmente forçados a fazer uma mudança radical, renunciando à sua identidade judaica. Desde os primeiros conselhos ecumênicos, eles eram proibidos de participar em uma sinagoga, manter as tradições judaicas ou celebrar os feriados judaicos – inclusive o Shabat.
Mas, com a redescoberta do caráter judaico de Jesus e dos primeiros Apóstolos, cresceu a consciência de que aqueles cristãos originais do primeiro século não se uniram a uma religião cristã, mas eram simplesmente judeus que acreditavam em Yeshua como o Messias. A primeira expressão moderna desse despertar foi em 1882, quando Joseph Rabinowitz, o filho de uma família rabínica, abraçou a fé em Yeshua como seu Messias. Ele se recusou a unir-se a uma denominação cristã e não abandonou suas tradições, mas manteve o estilo judaico de adoração com uma casa de oração judaica singular em Kishinev, Moldávia – onde os cultos eram realizados em ídiche. Muitos consideram esse o início do movimento judaico messiânico moderno. Rabinowitz experimentou, com expectativa, significativa resistência tanto das comunidades judaicas quanto das cristãs. Mas ele também encontrou partidários entusiastas nas igrejas protestantes, entre líderes como Franz Delitzsch, na Alemanha, que viu, em sua posição, uma nova representação das próprias origens do cristianismo. Ao tempo em que Rabinowitz tornou-se, mais tarde, um membro da Igreja Anglicana (para o receio de alguns de seus membros), a ideia de cristãos hebreus ganhou interesse crescente entre os protestantes e os evangélicos.
Tradução da foto:
Ministério das Relações Exteriores
02 de Novembro de 1917.
Caro Lorde Rothschild,
Tenho muito prazer em transmitir a você, em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia pelas aspirações sionistas judaicas que foram submetidas e aprovadas pelo Gabinete
‘O Governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e usará seus melhores esforços para facilitar a consecução deste objetivo, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na Palestina, ou os direitos e status político desfrutados pelos judeus em qualquer outro país.’
Eu ficaria grato se você levasse esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.
De acordo com o historiador da igreja, Prof. Donald M. Lewis, esses números crescentes de convertidos judeus impactou de maneira significativa o desenvolvimento e a teologia do novo movimento para a restauração de Israel, especialmente na Inglaterra. Lewis até mesmo vê a “linguagem restauracional” da Declaração de Balfour, em 1917, como sendo fortemente moldada pelos ensinamentos desses crentes judeus, que foram fortes defensores de uma terra natal judaica restaurada em Eretz Israel.
Esse movimento messiânico nascente experimentou um crescimento significativo na Europa oriental, particularmente durante a virada do século XIX para o XX. De acordo com o bem-conhecido pastor luterano Richard Wurmbrand, esse movimento cresceu, apenas na Romênia, para mais de dezenas de milhares de adesões. Em um estudo de doutorado realizado por Mitch Glaser, chefe dos Ministérios do Povo Escolhido, entre 200.000 e 300.000 judeus messiânicos estavam vivendo principalmente na Europa oriental antes da 2ª Guerra Mundial, com apenas alguns poucos decidindo seguir o exemplo de Rabinowitz ao mesclar-se com as igrejas tradicionais.
Tragicamente, sua fé em Yeshua não salvou suas vidas na terra da Reforma, uma vez que, durante o Holocausto, a maioria dos judeus messiânicos pereceram em Auschwitz e outros campos de morte nazistas, ao lado de seus companheiros judeus. Uma igreja evangélica na Alemanha, nessa época, até mesmo adaptou seus estatutos para considerar que “judeus não eram permitidos em suas congregações”, pois eram “assassinos de Cristo”. Infelizmente, o país que ajudou a iniciar o movimento cristão sionista tornou-se a nação que escreveu o capítulo mais escuro da história judaico-cristã.
Uma janela para nossas origens
Hoje, o movimento messiânico está experimentando mais uma vez uma medida de crescimento, com estimativas atuais entre 7.000 e 20.000 adesões em Israel. Para muitos teólogos e líderes eclesiásticos hoje, a comunidade judaico-messiânica representa um mover de Deus pequeno, mas profético, em nosso tempo. Até mesmo no Vaticano, em Roma, já houve consultas entre clérigos católicos e líderes messiânicos nos últimos anos. O próprio fato de que, depois de 1800 anos, uma corrente judaica do cristianismo está reemergindo, não apenas é fascinante, mas parece abrir novamente uma janela de volta para quando o cristianismo começou pela primeira vez.
Para muitos cristãos sionistas hoje, esse broto messiânico pequeno, mas em crescimento, representa a forma mais original de sua fé. Ao longo dos séculos, muitos se esqueceram de que Jesus foi judeu e que era chamado de “Rabi” por seus seguidores. Seus discípulos e os autores do Novo Testamento eram todos judeus. Até meados do segundo século, a igreja ainda seguia tradições judaicas. Os primeiros discípulos se reuniam no Templo em Jerusalém, observavam leis judaicas referentes à dieta e nem pensavam em iniciar uma nova religião mundial. Inicialmente, os gentios eram autorizados a entrar apenas com muita relutância, e o batismo do primeiro gentio convertido, Cornélio, só ocorreu depois de uma liderança clara do Espírito Santo (ver Atos 10).
Até mesmo quando Paulo – o Apóstolo para os Gentios – começou, mais tarde, suas viagens missionárias para a Ásia Menor, Grécia e Roma, ele sempre fez questão de começar seus pontos de ministério nas sinagogas locais, pois entendia que as Boas-Novas da chegada do Messias foram prometidas por Deus primeiramente para os judeus e, apenas então, para os gentios (Romanos 1:16). Mas, uma vez que os primeiros gentios foram aceitos, a demografia da igreja mudou rapidamente. Até mesmo no final do primeiro século, a maioria dos cristãos eram gentios e, a partir daí, a liderança da igreja mudou rapidamente das mãos dos judeus para as dos gentios.
Dois fatores principais contribuíram para essa mudança. Primeiro, os convertidos gentios rapidamente superaram em número os cristãos judeus. Muitas das congregações dentro do Império Romano, que começaram como sendo predominantemente judias, foram alteradas pelo grande número de cristãos gentios, mesmo no tempo de Paulo. Em segundo lugar, as conquistas romanas da Judeia, sob as lideranças de Vespasiano e Tito (69/70 AD) e, mais tarde, Adriano (134 AD) dizimaram a população judia na Terra de Israel, com cerca de dois terços assassinados e o restante espalhados por outros países. Paralelamente, Jerusalém foi perdida como centro da vida espiritual dos judeus.
A importância de Jerusalém para os primeiros cristãos é difícil de ser superestimada. O primeiro concílio da igreja teve lugar em Jerusalém, e Paulo ainda visitava a cidade santa com regularidade para relatar, aos líderes Apóstolos, os seus esforços ministeriais em expansão. Enquanto estava ali, ele também visitava o Templo nos feriados bíblicos e sempre trazia doações das novas igrejas que ele fundava para os “pobres entre os santos” de Jerusalém (Romanos 15.26). E ele nunca vinha sozinho; sempre trazia consigo uma delegação dos novos convertidos gentios (Atos 20.4), já que, aparentemente, ele queria certificar-se de que eles estavam bem conectados com Jerusalém.
Portanto, quando o Templo foi destruído em 70 AD, isso foi, não apenas um terremoto político, como também espiritual. Em 134 AD, Adriano também baniu os judeus de Jerusalém. Em um ato de humilhação, a província da Judeia foi renomeada Palestina em homenagem a um dos antigos inimigos de Israel, enquanto Jerusalém foi renomeada Aelia Capitolina.
Com isso, o Bispado de Jerusalém também foi colocado em mãos gentias. O último judeu na antiguidade a servir como Bispo de Jerusalém foi Judas Kiriakos, o bisneto de Judas, irmão de Jesus. Mas ele foi substituído em 135 AD pelo primeiro bispo gentio, Marcus que, notavelmente, não era mais o “Bispo de Jerusalém”, mas o “Bispo da Aelia Capitolina”. A partir de então, o novo centro espiritual do cristianismo foi Roma. Ao longo dos últimos 200 anos, não apenas a influência judaica na igreja se desvaneceu, mas a igreja se separou mais e mais de Israel e dos judeus. De fato, essa igreja gentia se considerava a “Nova Israel”, substituindo os judeus como o povo escolhido de Deus.
Um sinal de esperança
Portanto, uma igreja messiânica reemergindo em Israel é, para muitos cristãos, não apenas parte da restauração de Israel nos dias modernos, mas também um antídoto poderoso contra a Teologia da Substituição e até mesmo o anti-israelismo. Até mesmo Paulo usou sua própria identidade, de israelita da tribo de Benjamin, como uma mensagem simbólica para a igreja de que Deus não tinha rejeitado Seu povo (Romanos 11.1).
A pergunta que muitos teólogos fazem hoje é: Como o Novo Testamento vê o corpo judeu messiânico? Esse questionamento, na verdade, pode ter sido ofensivo para a igreja judaica primitiva, enquanto para as congregações gentias posteriores – tais como a Igreja Luterana alemã, que veementemente exclui os judeus messiânicos do programa dos dias nacionais de igreja – teria sido um anátema. Para eles, é difícil aceitar que a fé da Igreja Primitiva foi um cumprimento das antigas esperanças do povo judeu por sua nação.
Os primeiros Apóstolos, como Paulo e Pedro, nunca lutaram com sua identidade judaica, mesmo quando lutaram pela aceitação dos gentios no Corpo do Messias. A compreensão de Paulo era de que a história da salvação é semelhante a uma antiga oliveira. Essa árvore nobre brotou das raízes da fé de Abraão como uma tradição principalmente de homens e mulheres judeus com uma esperança messiânica. Agora, Paulo entendia que Deus estava abrindo espaço nessa árvore antiga para os gentios. Alguns dos galhos nobres (judeus) foram parcialmente cortados a fim de que galhos de oliveira silvestre (gentios) pudessem ser “enxertados”, para que eles pudessem tirar força e esperança da seiva nutritiva dessa antiga árvore da fé messiânica. Paulo viu nesse processo o cumprimento da promessa de Deus para Abraão, de que “em ti todas as famílias da terra serão abençoadas”. (Gênesis 12.3; Gálatas 3.8).
Essa “substituição de galhos” não era permanente, entretanto, uma vez que Paulo entendeu que, um dia, Deus iria enxertar os galhos nobres de volta à oliveira. Paulo até mesmo deu um significado maior a esse retorno dos galhos originais. Em Romanos 11.12-15, ele afirma uma verdade maravilhosa: se a queda dos judeus já trouxe bênçãos para os gentios, quanto mais a sua aceitação! Os galhos originais enxertados de volta à árvore representarão uma liberação do poder de Deus para ressurreição. Portanto, pregadores como John Wesley previram nisso um catalizador para o maior avivamento que ainda há de vir.
O foco deveria ser, portanto, mais em como a Igreja pode abrir espaço e oferecer relevância a esse broto recém-formado e ainda gentil que está crescendo diante de nossos olhos, de cristãos judeus. A Igreja precisa se posicionar com eles em suas orações, amizades e apoio, ao mesmo tempo em que reconhece o caráter único do nosso tempo.
Portanto, enquanto nos posicionamos, em apoio inabalável, com Israel e o povo judeu, também reconhecemos nossa conexão inseparável e nossa amizade com nossos irmãos e irmãs messiânicos, particularmente em Israel. Ao fazer isso, protegemos a Igreja contra a Teologia da Substituição e testificamos que as promessas eternas de Deus são realmente “Sim e Amém” no Messias (2 Coríntios 1.20). Esses tempos em que vivemos são realmente maravilhosos!